sexta-feira, 15 de maio de 2009

A solução veio dos emergentes

Fonte: Exame - 15/05/2009

Multinacionais começam a lançar nos mercados desenvolvidos produtos criados por suas filiais em países emergentes - uma subversão em um dos mais arraigados princípios da inovação

O desenvolvimento de produtos nas empresas multinacionais sempre seguiu uma lógica: as novidades eram criadas e lançadas nos mercados mais ricos do mundo e depois seguiam rumo às filiais nos países emergentes. Não raro, os produtos chegavam aos mercados em desenvolvimento quando já estavam defasados em seu país original. A lógica por trás da estratégia: os consumidores dos países ricos são capazes de pagar pelas margens que sustentam os custos de inovação, enquanto os países pobres podem esperar até que esse investimento seja recuperado. É um processo semelhante àquele que os economistas definem como trickle down (literalmente, "escorrer") e se baseia no princípio de que as riquezas acumuladas nos países ricos naturalmente escorrem para os países mais pobres. Com isso, eles se beneficiariam da grande concentração de bens e capitais no chamado Primeiro Mundo. Recentemente, com a crise econômica castigando a Europa e os Estados Unidos, empresas multinacionais, como General Electric, Microsoft, Nestlé, Nokia e Procter&Gamble, têm se mostrado dispostas a quebrar esse dogma. Elas perceberam que produtos criados para os emergentes se enquadram com perfeição no aperto de cinto realizado pelos consumidores mais ricos do mundo - e criaram uma nova tendência, o trickle up, em que a maré passa a correr de baixo para cima, como que contrariando as leis da natureza.

Um exemplo clássico de trickle up é o que a americana Procter&Gamble fez com um de seus produtos, um xarope para tosse da marca Vick, o Vick Mel. Criado no início desta década, no laboratório de produtos para o mercado latino-americano, sediado em Caracas, na Venezuela, o produto atendia a uma demanda específica das operações do México e do Brasil. Seu desenvolvimento baseou-se em duas diretrizes: custo competitivo e apelo ao hábito dos consumidores de usar produtos naturais, como mel, para combater a tosse. O xarope chegou ao mercado mexicano em 2003 e de lá iniciou uma trajetória bem-sucedida que culminou com o lançamento no mercado europeu. "A P&G é particularmente atenta a produtos que apresentam bom desempenho em seus mercados originais e, sempre que pode, procura levá-los a outros mercados", diz Tarek Farahat, presidente da P&G no Brasil e que trabalhava na filial venezuelana quando o Vick Mel foi criado. "Chamamos isso de share-reapply, ou ‘dividir e reaplicar’." É o que acaba de fazer a GE, que lançou nos Estados Unidos uma máquina portátil de eletrocardiograma desenvolvida especialmente para os mercados chinês e indiano e que custa um décimo de uma máquina tradicional. A ideia é que o produto seja uma opção ao mercado de consultórios e clínicas dos Estados Unidos.

Oferecer produtos mais baratos a consumidores dispostos a gastar menos é apenas uma das facetas do trickle up. Na verdade, o que está por trás do processo é um fenômeno mais amplo, que envolve diretamente a cadeia de inovação nas grandes corporações. Os centros de desenvolvimento sediados nas matrizes não são mais suficientes para gerar um fluxo de novas ideias e produtos para um mercado cada vez mais competitivo. Além disso, o custo de pesquisas desenvolvidas em países como Índia ou Brasil é apenas uma fração do das realizadas nos Estados Unidos e na Europa. É comum ideias para novos produtos nascerem da observação dos hábitos dos consumidores. Ao pesquisar a forma como os africanos usavam o celular, a Nokia descobriu um recurso que poderia ser explorado nos aparelhos voltados para o público jovem. A empresa percebeu como os jovens de Gana e de Marrocos se divertiam usando o sistema de viva-voz dos aparelhos para conversar em grupo. Ao notar esse comportamento, incorporou em seu mais novo modelo, o 5800, destinado a jovens dos Estados Unidos e da Europa, minicaixas acústicas potentes o suficiente para que grupos de jovens pudessem ouvir músicas em MP3 e assistir a vídeos do YouTube. Uma prova de que boas ideias podem surgir em qualquer lugar.

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