Fonte: O Estado de SP - 08/06/2009
Quase R$ 100 bilhões em recursos extras deverão ser injetados no consumo dos brasileiros neste ano, especialmente no segundo semestre. Esse dinheiro, proveniente do aumento da massa de rendimentos e da ampliação da oferta de crédito, viabilizada pela queda dos juros, deverá transformar a demanda doméstica no motor da recuperação da economia prevista para o segundo semestre.
A retomada do mercado interno deixa para trás o cenário de recessão técnica, marcado por dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB), que vai ser confirmado terça-feira pelo IBGE. Projeções do mercado indicam queda entre 3% e 0,75% do PIB no primeiro trimestre, segundo a Agência Estado. No último trimestre de 2008, o PIB caiu 3,6% em relação ao trimestre anterior.
Nesta semana, além de ser conhecido o PIB do primeiro trimestre, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne e deve anunciar um novo corte na taxa básica de juros (Selic), o que deve contribuir para a recuperação da economia. Desde o início do ano, a Selic já caiu 3,5 pontos porcentuais, para 10,25% ao ano. Os efeitos desse corte nos juros devem ter impacto maior na atividade no segundo semestre. "Leva ao menos seis meses para que as reduções na Selic comecem a repercutir", diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
A queda dos juros abre espaço para a ampliação da oferta de crédito e o alongamento dos prazos ao consumidor. Nas projeções da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a oferta de financiamentos para pessoas físicas deve crescer R$ 54,5 bilhões este ano, que correspondem a um aumento de 20% no saldo de dezembro de 2008. Desse total, R$ 40,3 bilhões deverão ser injetados na economia de maio a dezembro.
"Há perspectiva de aceleração da oferta de crédito para o segundo semestre", diz Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac. "A queda na Selic e a inadimplência controlada deixam os bancos mais confortáveis para emprestar."
Sozinha, a queda dos juros não tem força para dar grande impulso à demanda. Estudo da MB indica que a massa de renda real das famílias deve ter acréscimo de R$ 42,9 bilhões em 2009. Desse total, R$ 26,6 bilhões virão dos cofres do governo. Isso inclui o reajuste do funcionalismo, o aumento do salário mínimo e a ampliação do Bolsa-Família. "A maior parte do reajuste do funcionalismo está programado para junho e o Bolsa-Família vai incorporar 500 mil famílias em agosto e 500 mil em outubro, além de ter aumentado o valor do benefício", diz Vale.
O varejo já faz contas de quanto vai expandir os negócios. "Estamos otimistas", diz Valdemir Colleone, diretor de R elações com o Mercado da Lojas Cem. "O nosso faturamento do segundo semestre deve crescer 8%."
Consumo vai bancar a recuperação
Da expansão de 2,2% prevista para o 2º semestre, 1,4 ponto virá do consumo das famílias e 0,8 ponto, do governo
O consumo das famílias e do governo deverá ser responsável por 100% do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo semestre deste ano. Da expansão de 2,2% no PIB prevista para o período, em relação ao segundo semestre do ano passado, o consumo das famílias deverá representar 1,4 ponto porcentual, aponta a consultoria MB Associados. O restante (0,8 ponto porcentual) virá do consumo do governo.
O modesto crescimento de 2,2% do PIB, bancado pelo consumo e esperado para o segundo semestre, sinaliza que a economia deve se recuperar lentamente nos próximos meses, depois do baque sofrido na virada de 2008. A consultoria prevê que o PIB encerre 2009com crescimento zero.
"Antes, essa composição do PIB era mais variada, mesmo em outras recessões, como a de 2001 ou a de 2003", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB. "Isso é importante para mostrar que os investimentos e as exportações devem continuar sofrendo por causa da crise internacional", observa.
O economista ressalta que a estrutura de consumo hoje tem mais canais de crescimento do que no passado. "A renda e o crédito estão muito mais equilibrados hoje." Segundo Sergio Vale, a renda não depende tanto da classe média, que foi a que mais perdeu na crise, e o crédito teve desenvolvimentos importantes nos últimos anos, como a queda da taxa de juros para níveis historicamente baixos e a expansão do crédito consignado.
"Há uma forte relação inversa entre a taxa de juros real e as vendas do comércio varejista, ou seja, quanto menor a taxa de juros real, maiores as vendas do comércio", diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores.
Borges ressalta que as taxas de juros menores não significam apenas redução do custo do crediário, mas também estimulam os bancos a ampliar os prazos de financiamento ao consumidor e a direcionar mais recursos para o crédito, em vez de simplesmente aplicá-los em títulos públicos.
As taxas de juros reais, que no fim do primeiro trimestre estavam em torno de 7,8% ao ano, deverão chegar em dezembro perto de 5% ao ano, supondo que a Selic caia para 9,25% até lá, conforme estimativa da LCA. "Isso deverá gerar um estímulo importante para as vendas já no segundo semestre de 2009 e também em 2010."
Não é por menos que a LCA projeta um desempenho no segundo semestre mais favorável para os setores do varejo mais sensíveis ao crédito e à confiança. Móveis e eletrodomésticos, por exemplo, devem ter crescimento de 1% em relação ao mesmo período de 2008, depois de uma queda estimada em 0,5% no primeiro semestre.
Nas concessionárias de automóveis e de veículos comerciais leves, o crescimento esperado é de 19,6%. Já nos depósitos de materiais de construção, cuja queda prevista nas vendas do primeiro semestre chega a 5,9%, deverá ocorrer expansão de 2,3%.
Os fabricantes de eletrodomésticos da chamada linha branca (fogões, geladeiras e lavadoras) e as montadoras de automóveis atribuem o bom desempenho das vendas ao corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
"Se o corte de IPI para os eletrodomésticos for renovado em julho, a perspectiva é fechar 2009 repetindo os números de vendas de 2008", diz Lourival Kiçula, presidente da Eletros, entidade que reúne os fabricantes de produtos eletroeletrônicos.
Kiçula diz que o corte de impostos conseguiu reverter a queda nas vendas em relação ao mês anterior e estancar as demissões. De abril para maio, as vendas industriais desses itens cresceram entre 20% e 25%. "Mas a recuperação dos volumes não é nada sensacional", ressalva.
CONFIANÇA
O comércio varejista confirma a reação nas vendas. Atraídos pelo preço menor, os consumidores voltaram a comprar eletrodomésticos em maior escala. Na rede das Lojas Cem, por exemplo, o corte no IPI respondeu por dois pontos porcentuais do crescimento de vendas de 9% de maio. "A redução de preço teve efeito psicológico muito grande", comenta o diretor de Relações com o Mercado, Valdemir Colleone.
O executivo ressalta que o consumidor está mais confiante com o emprego e menos reticente na hora de comprar. "O grande medo do consumidor era o desemprego em massa, que já ficou para trás", diz ele.
A Sondagem do Consumidor da Fundação Getúlio Vargas em maio revela que, pela primeira vez desde setembro do ano passado, a confiança na situação presente da economia cresceu em relação ao mês anterior, apontando uma virada no indicador.
Pesquisa com 2 mil consumidores em todo o País, feita pela CNT/Sensus, confirma que a preocupação com o risco de desemprego diminuiu. Em maio, 39,1% dos entrevistados informaram que tinham receio de perder o emprego, ante 44,8% em março.
"O surpreendente é que as vendas no varejo não caíram", observa o superintendente de Pesquisas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ernani Torres. Segundo ele, ao contrário do que ocorreu em outras crises, a inflação não disparou, e até recuou, a massa de salários subiu e o governo não quebrou. "A redução dos juros em alguns pontos ajuda a turbinar o consumo", observa Torres.
Paulo Secches, presidente da Officina Sophia, especializada em pesquisas de mercado, confirma o comportamento inesperado do consumidor na crise atual. Pesquisa feita por Secches com 500 consumidores de todas as classes sociais, na Grande São Paulo, revelou que 40% dos entrevistados não cortaram compras de produtos e serviços por causa da crise. Entre os motivos desse comportamento atípico, segundo ele, estão a manutenção da renda e a volta do crédito.
Mercado interno puxa indústria
Demanda doméstica cresceu 43,8% no ano, diz FGV
A demanda interna tem sido o motor da recuperação da indústria desde dezembro, mês em que a produção bateu no fundo do poço. Entre dezembro e maio, o indicador da demanda interna por produtos industriais cresceu 43,8%, enquanto o indicador da demanda externa caiu 1,2%, apontam os dados da Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas, descontados os efeitos sazonais .
O indicador da demanda global, que inclui as demandas interna e externa, aumentou 37% no mesmo período. Para chegar a esses resultados, foram consultadas 1.075 indústrias. O indicador da demanda é construído a partir do porcentual de empresas que consideram a demanda forte menos o porcentual daquelas que acham a demanda fraca, acrescido de 100.
"A demanda interna está sendo o motor da recuperação e deve continuar nos próximos meses", diz o coordenador técnico da pesquisa, Jorge Ferreira Braga, ponderando que o ritmo de retomada ainda é lento.
De acordo com a pesquisa, 6 dos 14 segmentos industriais que tiveram melhor desempenho entre dezembro e maio estão relacionados ao consumo doméstico. Nesse rol estão os minerais não-metálicos (insumos usados para a construção civil), metalurgia, material de transporte (que reúne a cadeia da indústria automobilística), vestuário e calçados e alimentos. Também são esses seis segmentos que apresentaram as melhores perspectivas de produção industrial para três meses entre maio e julho.
"A projeção de aumento de produção para esses setores está sendo favorecida pelo corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), a volta do crédito e as vendas de bens de consumo não-duráveis, como alimentos", afirma Braga.
A indústria de alimentos detectou uma reversão na queda da produção a partir de março, com alta de 14,2% ante fevereiro, descontadas as influências sazonais. Em janeiro, a produção caiu 7% ante dezembro e voltou a cair 2% em fevereiro.
"A perspectiva é de que esse quadro tenha tido continuidade em abril e maio", diz o diretor do Departamento de Economia da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Denis Ribeiro. A previsão é de encerrar o ano com crescimento de 2% a 3%.
O quadro se repete no caso do setor têxtil e de vestuário. "A realidade do segundo trimestre já é diferente, com ampliação do uso da capacidade das fábricas", conta o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Aguinaldo Diniz Filho.
"A recuperação na indústria está se espalhando e esse movimento ficou mais consistente no segundo trimestre", observa Luiz Rabi, gerente de Indicadores da Serasa Experian. Em abril, 63% dos segmentos industriais tiveram crescimento na produção.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
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