Fonte: Valor Econômico
Para ter sorte no casamento, manda a prudência ocidental, nada melhor do que começar o dia mandando flores para a mulher, ainda mais quando se comemora 30 anos de união. E nos negócios, acreditam os chineses, não se deve dispensar a ajuda dos leões, que sempre andam aos pares e trazem felicidade a quem lhes pede ajuda. A receita foi seguida à risca, ontem, pelo CEO mundial da Unilever, Paul Polman."Hoje estou comemorando 30 anos de casamento. Ainda não consegui falar com minha mulher, mas as flores já foram entregues", disse Polman, que por volta das oito da manhã já estava a postos para inaugurar o novo centro de pesquisa e desenvolvimento de produtos da empresa na China - projeto que consumiu € 50 milhões.
Em frente ao prédio de linhas simples, onde predominam a cor branca e portas e janelas de vidro, toda a diretoria executiva mundial da Unilever cumpriu o ritual: Polman e mais dois diretores discursaram e depois todos ouviram o discurso da autoridade local do Partido Comunista. E, para não dar chance ao azar, acrobatas fantasiados de leões tiveram os olhos de suas coloridas máscaras devidamente pintados por Polman e pelo membro do PC chinês. O gesto "acordou" os leões, que dançaram ao som de um grande tambor. Até mesmo a numerologia, que todo o chinês de juízo respeita, marcou presença. O novo centro de pesquisas foi batizado de U 66. O prédio está no número 66 da rodovia Linxin, situada numa área industrial de Xangai. O 6, acreditam os chineses, representa suavidade, fluidez e garante que tudo ocorrerá sem dificuldades. A tradicional bateria de fogos encerrou a festa, com muito barulho, fuligem e convidados tapando os ouvidos e sacudindo as roupas.
No novo edifício, onde trabalharão 450 pessoas, vindos de sete unidades espalhadas por Xangai, não há sinais de superstição. Liderados por engenheiros e biólogos, o time reúne várias nacionalidades, sendo 50% de chineses. Metade é de Phds. Seu papel é fundamental para o plano estratégico da Unilever na China: crescer rápido. Nos últimos cinco anos, a multinacional anglo-holandesa conseguiu dobrar as vendas para algo em torno de € 1 bilhão, mas ainda está atrás de duas grandes concorrentes globais, Procter & Gamble e Colgate.
"Estamos crescendo rapidamente na China, mas é difícil manter esse crescimento sem inovação", diz Polman, que trabalhou na P&G e na Nestlé e assumiu o comando da Unilever há oito meses. Ele já trocou 35 executivos de lugar na companhia. No mercado chinês, a Unilever vende produtos de 12 marcas diferentes - no Brasil o leque é maior, em torno de 25, mas a empresa está há 80 anos no Brasil e na China, há 22 anos. Sabão Omo, sabonetes Lux e pasta de dente Zhong Hua (significa China) são as principais grifes da Unilever no mercado chinês.
Uma das grandes apostas da empresa na China, diz a chefe mundial da divisão de pesquisa e desenvolvimento (P&D), Geneviève Berger, é o chá. Depois de lançar no ano passado o chá verde, com apelo de ajudar no emagrecimento, há planos de usar o mesmo ingrediente em produtos para os cabelos e para a pele. "Estamos interessados na medicina chinesa e na medicina indiana", diz a executiva, que tem um orçamento anual em torno de € 1 bilhão para distribuir entre 65 centros de P&D.
O novo, em Xangai, integra um seleto grupo de seis laboratórios cuja tarefa é desenvolver produtos que podem ser vendidos globalmente. "Não temos planos de fazer do Brasil um centro (de P&D) global", diz Berger. Em Xangai, o novo centro de pesquisas tem espaço para empregar mais 150 pessoas. Além desse, os outros cinco centros globais de P&D da Unilever estão nos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda e Índia.
Aumentar a capacidade de produção na China, onde a Unilever tem seis fábricas próprias e terceiriza uma parte do mix, faz parte do plano Harish Manwani, presidente da divisão que engloba Ásia, África e Europa Central e Oriental. "Planejamos expandir a produção até 2015. Vamos investir para aumentar a capacidade em Hefei", disse Manwani. Mas, para fazer isso, a Unilever precisa aumentar as vendas. E ela não é a única multinacional de bens de consumo final a focar os mercados emergentes.
"Eles estão no radar de todas as companhias. Esses países são mais resistentes à crise. Dois terços do crescimento do PIB mundial está vindo dos mercados emergentes", disse Manwani. Ele lembra que a Unilever já tem uma grande presença no Brasil, na Índia e na Indonésia. "Mas na China e na Rússia estamos sub-representados", afirmou. O presidente para a China, Alan Jope, sentado ao lado de Manwani, respira fundo e diz: "Eu gostaria que a China fosse mais simples, mas não é. Eu estive por quatro anos na Tailândia, um mercado grande, difícil e que se move rapidamente, mas a China é muito mais do que isso." Jope precisa organizar sua estratégia de vendas tendo em mente que há consumidores que ainda vivem com menos de US$ 1 por dia e outros que só dirigem Mercedes-Benz. Seu "mantra" é operar com uma "rigorosa segmentação geográfica". O chá verde, que ajuda a emagrecer, por exemplo, ele distribui apenas em grandes cidades, em varejistas de produtos de beleza para mulheres.
Para lidar com os diversos tipos de varejistas - há 3 milhões de lojas na China -, a Unilever tirou Mehmet Altinok de suas operações na Europa e o mandou para Xangai. Com experiência em marketing, Altinok está há quatro meses no posto de chefe da divisão operacional. Diz que dos 3 milhões de lojas, cerca de 100 mil são o que chama de varejo moderno: hipermercados, supermercados e lojas de conveniência. Na mão desse varejo moderno é que estão 55% das vendas totais feitas na China. A Unilever está presente, segundo ele, em 250 mil lojas.
"O mercado é muito fragmentado. Nosso maior cliente, o Walmart, responde por 5% de nossas vendas", diz ele. A francesa Carrefour e a inglesa Tesco também estão presentes no mercado chinês. Esse varejo moderno, observou Altinok, vem fazendo "enormes investimentos". Por ano, cerca de 250 hipermercados e 3 mil supermercados são abertos na China. O consumidor chinês ainda gasta pouco cada vez que vai ao supermercado, cerca de € 5, diz o executivo. "Mas a tendência é que esse valor cresça", diz ele. Uma surpresa que trouxe mais um problema a Altinok é a gestão descentralizada de alguns dos grandes varejistas na China. "O Carrefour é totalmente descentralizado aqui. Ele tem 12 unidades (independentes). Eu não esperava isso."
A direção da Unilever, que por quase 20 anos operou na China com sócios locais (eram 12, ultimamente), terminou de desmantelar as parcerias há cerca de três anos. Agora, diz Manwani, a empresa tem mais liberdade para implementar a estratégia de aumentar as vendas. Ele observa que ganhar fatias maiores de mercado é mais importante do que perseguir lucros. A operação na China, atualmente, diz ele, não é lucrativa, mas também não dá prejuízo. Polman repetiu ontem que depois de enxugar sua operação - o número de marcas caiu de 1,6 mil, no início dos anos 2000, para 400; e até 2010 serão fechadas ou reduzidas entre 50 e 60 fábricas -, a Unilever quer aumentar as vendas e o lucro e os mercados emergentes são ponto fundamental nessa estratégia. Em sua opinião, esse países se "descolaram" da crise financeira mundial, piorada há um ano, quando o banco Lehman Brothers quebrou nos Estados Unidos.
"Temos que ser realistas. A recuperação da economia global será longa e lenta. Os Estados Unidos estão muito alavancados (endividados), com um déficit de US$ 20 trilhões. Os bancos estão alavancados e o consumidor americano também", diz. "Mas uma boa coisa é que países como China, Índia e Brasil não estão alavancados e crescem, descolados da crise."
O balanço do segundo trimestre da Unilever mostrou aumento de vendas em todas as regiões, mas o lucro caiu. Polman disse que no segundo semestre "veremos uma queda do preço das matérias-primas e nós vamos aproveitar isso." A ideia, diz ele, não é aumentar preços - a companhia fez isso no ano passado, antes dos insumos ficarem mais caros - pois o consumidor, em geral, não está com dinheiro sobrando no bolso. "No Brasil nós aumentamos preços, mas por uma questão cambial", disse. O único lugar onde a Unilever baixou preços foi na Europa, para as margarinas
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